Sufjan Stevens no Coliseu dos Recreios: Delírios fluorescentes
Querem saber o que é um concerto imprevisível, inesperado, surpreendente e realmente diferente do habitual? Então corram atrás de Sufjan Stevens que aos 35 anos abandonou a timidez (e a folk) e reinventou a personagem, a música e o espectáculo. Só visto porque contado nem dá para acreditar.
Quando partimos para um concerto transportamos no subconsciente uma ideia do que poderá vir a acontecer com base naquilo que já conhecemos dos discos ou através de relatos de actuações anteriores. No caso de Sufjan Stevens a antecipação não era nem fácil nem consensual porque sabíamos que tanto é capaz de compor belas canções que atravessam o imaginário folk como de devaneios sonoros experimentalistas como se pôde notar no mais recente disco «The Age of Adz».
Por muitas expectativas que houvesse nunca adivinharíamos o que Sufjan tinha para nos dar numa só noite (excluímos aqui os que estiveram na véspera no Porto, claro).
Um palco literalmente cheio de instrumentos e músicos vestidos e pintados de intensas cores fluorescentes. Para quem imaginava Sufjan vestido discretamente com o ar tímido que conhecemos de fotos e vídeos passados a surpresa é enorme. O homem traz um fato colorido próprio de um universo alternativo que ele depois explica ser o seu e aquele palco representar a sua nave espacial que aterrou no Coliseu para nos cantar (e falar muito) de amor, existência, cosmos e afins.
A entrada com «Seven Swans» é coreografada a preceito com Sufjan e as duas raparigas dos coros envergando asas de cisnes. A plateia demorou a reagir a todo aquele teatro mas aos poucos foi entrando no contexto do autêntico musical que é este concerto.
Quando o americano disse em entrevistas que não quer vender muitos discos, que não quer ser rico, que vive bem com o que tem porque não gasta muito e que não quer ser uma celebridade, não está a brincar. Em primeira reacção perante tanta excentricidade em palco pensamos que o homem é irónico mas no fim da noite chegamos à conclusão que realmente Sufjan fechou-se no seu próprio cosmos e só o quer sonorizar com estas músicas e exteriorizar desta forma original.
Da plateia ainda saem pedidos de canções mas Sufjan nem liga. Ele faz o que quer como quer. Se lhe apetecer dar uma palestra de alguns minutos sobre o seu admirado artista plástico Royal Robertson, ele dá ignorando as palmas e gritos que tentam cortar o discurso. O homem explica o que está ali a fazer quer queiramos ouvir ou não. À medida que o alinhamento avança mais surpresas temos nos intervalos como um ensaio falado sobre yin e yang que só identificámos devido à reacção da parceira do lado.
Para explicar o que é musicalmente este concerto agarramos em três exemplos: «I Want To Be Well», «Futile Devices» e «Impossible Soul». O primeiro é tudo aquilo de que é feito «Age of Adz», tema com muita agitação, variantes vocais e sempre em crescendo. A passagem é o choque com o oposto! Ao barulho sucede-se «Futile Devices» só com Sufjan e a sua guitarra em jeito de balada. É como se estivéssemos a ver dois concertos ao mesmo tempo, é como se Sufjan fosse bipolar. E é.
Para que não restem dúvidas tudo isto é misturado ao melhor estilo Bimby em «Impossible Soul», o longo tema que fecha o último disco, que em palco ganha vida própria e que durante largos minutos viaja por vários estilos que Sufjan domina explodindo numa espécie de rave com chuva de confetis e subidas às colunas levando a plateia a uma louca dança. Como sempre tudo termina em jeito de balada. Parece incrível mas é mesmo assim.
Para o encore, Sufjan regressou como se nada tivesse a ver com o caos que por ali passou e deixou vestígios por todo o palco. Veio calmo de T-shirt e ofereceu «Concerning the UFO Sighting Near Highland, Illinois», «Casimir Pulaski Day» e «Chicago» já com o povo debaixo de uma chuva de centenas de balões coloridos que ninguém vai esquecer.
Nós avisámos que contado ninguém ia acreditar mas um concerto realmente diferente é isto.