Vodafone Mexefest, dia 2: Perfume e Sombras
Segunda noite na Avenida da Liberdade com vários triunfos portugueses e confirmações em palco de alguns dos bons discos editados este ano. Perfume Genius é um fenómeno, Wild Beasts e Sharon Van Etten agradaram nas sombras do Coliseu.
A noite cai em Lisboa e o eixo rodoviário Saldanha - Rossio é um pequeno caos de trânsito pontuado por luzes vermelhas de veículos em direcção ao Rio Tejo. É assim que sabemos que chegou o primeiro sábado com luzes de natal na Avenida abrindo caminho para a árvore do Terreiro do Paço e os lisboetas não perdoam, invasão a atrapalhar a chegada dos festivaleiros que esgotaram os bilhetes do Vodafone Mexefest.
Assim, foi sem grande alternativa que começámos a maratona da segunda noite por cima, Sala Montepio do Cinema São Jorge onde os Savanna nos fizeram esquecer da confusão na rua com o seu rock bem puxado. São mais uma banda nacional à procura do seu espaço, vão editar o disco de estreia em breve, mas já contam com alguns seguidores que compunham a sala. Mais tarde também o barcelense Nuno Rodrigues iria aqui brilhar com o interessante projecto Duquesa.
São dois exemplos da vitalidade que a nova música feita em Portugal anda a dar sinais. O Vodafone Mexefest encontrou entre estas novas propostas uma parcela importante da sua programação dando uma personificação ao espírito do Festival muito acertada. Há um são convívio entre novos nomes da cena e alguns bem consagrados que resulta na perfeição e , claro, comprova o interesse e a procura do público mais motivado para ouvir e descobrir o que se vai fazendo por cá. Esta aposta junta-se ao critério de selecção de nomes internacionais seguindo as mesmas convicções, projectos que estejam em destaque logo na estreia discográfica, bandas com estéticas ainda longe do mainstream e algumas escolhas mais óbvias e com público já fiel por cá. É o ano em que o Mexefest consegue afirmar-se melhor em termos de identidade própria fruto de um caminho que já vai em oito anos.
Surpreendentes os concertos e a adesão popular às presenças de Tiago Iorc, Curtis Harding, Cloud Nothings, Adult Jazz e Palma Violets. Não pelas mesmas razões, claro.
O brasileiro Tiago Iorc contou com sala cheia na Sociedade de Geografia de Lisboa e correspondeu com a sua música intimista só acompanhado de viola e cantando maioritariamente em inglês. Além do seu reportório visitou os compatriotas Los Hermanos, para alegria da plateia sentada e «Magic» dos Coldplay à sua maneira.
Ao ar livre na Estação do Rossio uma brisa de «Soul Power», título do disco de Curtis Harding que serve na perfeição para ilustrar a sua actuação. Inevitáveis versões de clássicos entre alguns originais que o músico de Atlanta desfilou aquecendo a noite a uma plateia que não evitou uns pezinhos de dança. Regresso para uma Aula Magna, pedia-se no trajecto de volta para o Coliseu. Concordamos.
Muita expectativa para ver o trio Cloud Nothings. Longas filas a subir a escadaria até entrar no Ginásio do Ateneu Comercial de Lisboa. A péssima acústica do espaço junta-se ao poder cru e distorcido das guitarras dos autores de «Here and Nowhere Else», um dos melhores discos rock deste ano, e transformou em barulho aquilo que a espaços conseguimos identificar do trabalho de estúdio. Estiveram cá e vimos mas pouco conseguimos retirar do encontro a não ser muito... barulho.
Já os Palma Violets optaram por transformar a experiência na Estação do Rossio num massacre sónico elevando os decibéis a níveis pouco recomendáveis. Não ouvimos mas contaram-nos o que desencorajou o nosso regresso ao espaço.
De Leeds para a sala maior do Cinema São Jorge, a sala Manoel de Oliveira, os Adult Jazz agradaram com a sua proposta bem mais suave, tranquila com o silêncio como factor determinante da sua actuação. Foram um bom aperitivo para os imensos fãs de Mike Adreas que já nem saíram do Cinema para garantir o seu lugar para um dos momentos mais esperados do Festival.
Foi uma opção sábia já que as filas para entrar no São Jorge à medida que a hora se aproximava para ver Perfume Genius eram de respeito. O disco «Too Bright», editado este ano, eleva o rapaz de Seattle a fenómeno que chamou muito público a este Festival. De unhas e lábios impecavelmente pintados de vermelho a contrastar com o negro da sua roupa, a delicadeza, sensibilidade com arranjos musicais imaculados transformam as músicas de Perfume Genius em pedaços de banda sonora perfeita para uma sala de cinema. Um dos concertos que marcam esta edição do Mexefest.
No Coliseu dos recreios estavam marcados dois nomes maiores para esta segunda jornada. Sharon VanEtten apostou quase tudo novo álbum, «Are We There», e apresentou-se em versão revista e aumentada em relação ao que vimos há uns tempos no Lux. Figura frágil pronta a dar tudo na sua valiosa voz a cada tema, a mulher de New Jersey lidou bem com uma sala cheia e com fãs demasiado expressivos para aquilo que está habituada.
A sala maior do evento podia ter sido nesta última noite um espaço com cadeiras para dar ainda mais certo com o ambiente escuro e sombrio escolhido pelos dois nomes do cartaz. Um pouco menos estáticos que VanEtten, os Wild Beasts foram a banda que contou com o maior número de espectadores comprovando a aceitação que já tínhamos testemunhado em Maio na sua passagem pelo Rock in Rio. Este público não deve ter estado no Parque da Bela Vista e por isso fez questão de acarinhar todas as canções de «Present Tense», mais um disco de 2014 bem assimilado por uma plateia atenta.
Notas soltas para as excelentes prestações dos portugueses Sensible Soccers, um caso sério instrumental em palco na Garagem EPAL onde também os Salto aproveitaram a oportunidade para darem mais um bom concerto, enquanto no Salão Nobre do Ateneu os Throes + The Shine ganharam mais uns bons seguidores e o hip hop dos MGDRV mostrou que está pronto para rebentar, o single «Salta Só» é ouro.
Só os Bristol, uma invenção de Marc Collin na linha dos Nouvelle Vague para a cena de Bristol, nos fizeram lamentar o tempo perdido na visita ao espaço onde tocavam. Esqueçamos este momento.
Missão cumprida de um festival com o seu espaço cada vez mais relevante, com um assinalável cumprimento de horário, com um critério de programação certo e que o público aprova como se viu pela lotação esgotada.
João Gonçalves